sábado, 3 de março de 2012

A traição!

                                                                                 

 

                                             Antonio Nunes de Souza*


Querido Augusto,
Não sei como você vai receber a notícia que darei nessa carta. Tenho medo que não suporte a dor, venha ter um troço e não quero ficar com essa culpa no coração. Sente-se e leia com calma!
Você sabe quanto gosto de você e como fomos felizes nesses cinco anos que vivemos juntos, mas, conheci um rapaz, ultimamente, e saímos algumas vezes. Você sabe como é: Conversa vai, conversa vem, até que terminamos um dia indo parar na cama e aconteceu.
Daí pra frente, passamos a nos ver quase que diariamente nas horas que você estava no trabalho, nos tornamos amantes e resolvi de uma maneira digna comunicar-lhe esse fato, esperando que você compreenda de uma maneira racional, reconhecendo que, infelizmente, alguns amores têm dias contados. E o nosso, ou o meu, foi um deles.
Desejo-lhe muitas felicidades e entenda que estou deixando essa carta e saindo escondido com tudo que me pertence, pois não teria coragem de falar pessoalmente e ver seu sofrimento estampado no rosto.
Estou mudando-me para outro Estado, viajarei as 17:00 hs. e, como não somos casados, nada haverá de papeladas para assinar. Um dia entrarei em contato com você, pois, tenha certeza, nossos momentos foram maravilhosos e agradáveis enquanto durou.
Um abraço e procure ser feliz,
                                                    Margarida Sanches

Como normalmente acontecia, as 19:30 hs. Augusto chegou do trabalho, estacionou o carro na garagem e foi entrando em casa gritando como sempre fazia: Margô! Margô! Já cheguei meu bem!
Mas, estranhamente, ele percebeu que a casa estava as escuras, tv desligada (que não era normal) e nenhum sinal de sua querida mulher. Acendeu as luzes da sala, imaginou que ela deveria ter saído, deitou-se no sofá e começou a ler o jornal que trouxera. Antes porém, ligou para o celular de Margarida e, por três vezes, recebeu o aviso de “desligado ou fora de área”.
Já havia passado uma hora e nada de Margô aparecer ou se comunicar. Então Augusto resolveu ir tomar um banho e aguarda-la para jantar. Acendeu a luz e, logo que entrou no quarto, achou esquisito a porta do guarda roupa dela estar aberta e vazia. Já preocupado, olhou em volta e viu sobre o seu travesseiro um envelope que, com um salto, foi pegando, tirando a carta de dentro e lendo.
A proporção que ia lendo, as lágrimas escorriam por sua face e os soluços incontidos demonstravam quanto estava doendo aquela perda da mulher que realmente ele amava e sempre fora um homem fiel e companheiro exemplar.
Voltou para sala, tentou telefonar novamente, mas, infelizmente, o celular não atendia. Ainda aos prantos, deitou-se no sofá e ligou a televisão para ver o noticiário, com o pensamento de espairecer um pouco a cabeça e ver que atitude tomar, com relação a comunicar para sua família e aos seus amigos mais íntimos.
Aí aconteceu o inesperado. Entrou aquela música de plantão de notícias e o apresentador começou a falar: “Confirmada a queda do avião com destino a Manaus, que saiu de S. Paulo as 17:00 hs., ficando já testemunhado pelos bombeiros e a equipe da Aeronáutica que não existe sobreviventes. Em função da localização não ser de difícil acesso, já desceram vários helicópteros juntos aos destroços e, pela destruição de todo aparelho na explosão do impacto, todos os vestígios são categóricos, podendo se afirmar que todos 54 passageiros e os 6 tripulantes estão mortos. Segundo a companhia aérea transportadora, a lista dos passageiros é a seguinte: Fulano, Beltrano, Cicrano, Margarida Sanches, etc., etc.... Os parentes das vítimas estão no aeroporto junto a companhia e aflitos para que sejam iniciados os resgates”.
Ao ouvir isso ele deu um pulo do sofá e, mesmo ainda choroso e assustado, não deixou de exclamar bem alto: Viu filha da puta! Quem faz paga! E você está pagando a vista, nem teve um prazinho para se divertir.
Tomou um banho rápido, guardou a carta na gaveta do criado mudo e, antes de sair, lembrou-se que meses atrás havia feito um seguro de vida no valor de um milhão de reais, onde um era beneficiário do outro. Dirigiu-se para onde guardava seus documentos e logo localizou a bendita apólice, conferiu, deu um beijinho carinhoso nela e tornou a guardá-la, já sorridente sem nem pensar na perda da mulher, pois, mesmo se estivesse viva, ele também teria perdido.
Pegou o carro e partiu para o aeroporto, pois, como ninguém conhecia o fato ocorrido, ele agiria como se ela fosse ainda sua companheira. E, mesmo que alguém tivesse conhecimento da história, ele resolveu proceder como se não tivesse recebido carta nenhuma, pois, a essa altura, nada mais tinha sentido para que seja feita uma divulgação.
Confusão no balcão, muitos choros, desesperos e aflições. Ele, vendo aquela triste realidade, mesmo com a dor do desprezo e traição, não conseguiu reter algumas lágrimas, demonstrando um sentimento humano pela tragédia ocorrida.
Como já era noite, ficou combinado que o resgate seria iniciado na madrugada seguinte, seguindo todos para suas casas e alguns para hotéis colocados a disposição pela companhia.
Na volta, passou pela casa da sua sogra para comunicar o fato, pois, sendo esta viúva e ser sua mulher filha única, imaginou o desespero da pobre mulher que trabalhava fazendo faxinas eventuais. Lá chegando a mulher já sabia do ocorrido através da vizinhança que ouvira no rádio e tv, mas nada tinha feito, já que não tinha nem condições para os deslocamentos necessários.
Augusto procurou consola-la e combinou para na manhã seguinte levá-la para a companhia aérea e aguardar a retirada dos corpos para as identificações e, em seguida, providenciar o enterro.
Tudo isso foi feito nos dois dias seguinte, curiosamente ninguém comentou com ele a respeito do novo amor de Margô, o tal cara não apareceu, pois imaginou Augusto que o desgraçado também tinha morrido no desastre, sendo melhor assim porque ele nem saberia de quem se tratava.
Passados alguns dias, procurou a companhia de seguros, deu entrada nos papeis e, com menos de um mês, foi chamado para assinar o recibo do valor determinado, juntamente com outra quantia nada desprezível paga pela companhia aérea.
Hoje está namorando uma linda gata, carro último modelo top de linha, mudou-se para um belo apartamento e nem se lembra da traidora da Margarida.
Moral da história: Nem sempre ser corno é um azar na vida! Há males que vêm para o bem!

*Escritor (Blog Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com)

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